Diário Liberdade – Neste ano 2010, fam-se 1.600 anos da criaçom da primeira estrutura política autónoma no território galego: a fundaçom do Reino da Galiza. A Galiza, como naçom oprimida polo imperialismo espanhol, tem sofrido ao longo de séculos um ataque permanente contra os seus símbolos identitários, especialmente contra a sua cultura e a sua língua. Dentro desta ofensiva assimiladora, a tergiversaçom, distorçom e/ou apagamento da nossa história como povo tenhem funcionado como umha eficaz forma de legitimaçom do projecto reacionário e uniformizador da burguesia espanhola na sua pretensom de aniquilar os povos ibéricos. Para resgatarmos do esquecimento a nossa história e para comemorarmos o nascimento da primeira Galiza independente, achegamo-nos a Compostela e mantivemos umha conversa com Camilo Nogueira, umha das vozes mais representativas da esquerda nacionalista galega das últimas décadas e grande conhecedor da história do reino medieval galego. Diário Liberdade – Como era a Galiza que no século V se constitui em primeiro Reino europeu? Camilo Nogueira – A Galiza era umha província romana. Porém, é preciso sublinharmos que o caráter político romano da Península Ibérica nom era Espanha como instituiçom. Hispania nom tinha umha feiçom administrativa romana. O que havia eram províncias que faziam parte do Império Romano, como a Bética, a Tarraconense, a Lusitánia ou a Gallaecia. A Gallaecia era umha província romana com todas as conseqüências. Contodo, configurou-se mais tarde que as outras porque aos romanos lhes custou muito trabalho entrar neste ámbito territorial que passaria a se denominar Gallaecia polas tribos nativas que a habitavam. Indo desde a praça de Veneza, em Roma, para o Coliseum, há numha parede um grande mural com a extensom do Império Romano. Num momento avançado, em que o Império Romano já colonizou quase toda a Península Ibérica, ainda tem o noroeste desta vazio. A última parte conquistada polos romanos foi o que depois se tornou na Gallaecia. Os limites territoriais da actual Galiza nom se correspondiam com os da Gallaecia. A Galiza romana chegava até a actual Burgos. A Fronteira com a Tarraconense, província que chegou a ser capital do Império Romano com o imperador Augusto, chegava à metade da Península. As pegadas daquele tempo durárom durante séculos. A partir desse momento a Galiza nom sofreu absolutamente nengumha influência islámica. Será na Gallaecia que assente o primeiro reino galego, ainda que o Reino galaico-suevo, com capital em Braga, também abrangesse parte da Lusitánia. DL – Tivo a Galiza reis antes que Castela leis, como afirma Castelao? Camilo Nogueira – É evidente. O reino galaico-suevo foi o primeiro reino independente de todo o Império Romano. A primeira parte do Império Romano que declarou a sua independência foi a Gallaecia. Para Castela chegar a ter reis há que aguardar ao ano 1157. Quer dizer, sete séculos depois. O reino de Castela surge porque o rei e imperador galego Afonso VII, dividiu o seu império e deixou a um dos seus filhos Castela e Toledo e ao outro Galiza e Leom. Portanto, o reino da Galiza nasce muitíssimo tempo antes do que o castelhano. DL – Ocupárom os árabes o reino galego, como afirma a historiografia espanhola? Camilo Nogueira – A Galiza nom tivo nunca ocupaçom islámica. O Reino suevo foi depois integrado no godo, mas mantivo totalmente a sua personalidade política e religiosa. A princípios do século VIII, quando se islamizou o Reino godo, porque nom houvo nengumha invasom árabe, mas umha guinada na cultura política, o Reino galego nunca se islamizou. E refiro-me ao território que vai desde a cordilheira central até o Atlántico, desde Saagun até as Rias Baixas. Nom há nengumha mostra nem resto de influência islámica. Sempre permaneceu com a sua personalidade, que vinha do Império Romano com influência germánica através dos Suevos. Mas o da Reconquista é umha lenda. DL – Além disso, a existência do Reino galego é negada pola historiografia espanhola, que fala de Reino de Leom… Camilo Nogueira – O reino cristao da Península Ibérica era o Reino da Galiza. E assim foi chamado historicamente polos árabes e polo império Carolíngeo. Muito depois aparece Castela como reino no século XII. Antes havia um território, um condado, chamado Castela, mas nom era reino. Ao se unirem o Reino da Galiza e o de Castela, por umha série de circunstáncias dinásticas, o reino galego mantivo a sua personalidade. A historiografia espanhola nega a existência do reino da Galiza mas, curiosamente, essa mesma historiografia fala do antigo Reino da Galiza, contradiçom que nunca se pom de manifesto, mas que é evidente. Por seu lado, Portugal nasce de um condado da Galiza que se independiza. A historiografia portuguesa nom reconhece que Portugal se independizou do Reino galego. Repara no facto de o Reino de Portugal nascer antes do que o de Castela. O reino português constitui-se em 1143. Segundo a historiografia portuguesa, Portugal separa-se de Castela, mas como se ia independizar de um reino que nem existia! Em Portugal denominam-no o «nascimento da nacionalidade» e antes disso parece que nom existisse nada. Parece que caiu do céu um rectángulo do território peninsular e foi criado o reino de Portugal. Nem sequer tomam como antecedente de Portugal o Reino suevo. Eles comungam com a historiografia espanholista do Reino godo contra a existência do Reino galaico-suevo. DL – Pode falar-se de umha Galiza independente durante a Idade Média? Durante que período? Camilo Nogueira – O Reino galego, para além da personalidade própria galaico-romana da Gallaecia, existiu como reino independente desde o ano 410 até 1230. Oito séculos de independência. No meio há um século e tal em que foi integrado no Godo, embora mantivesse umha autonomia muito ampla. Leom foi a capital do Reino galego. Os reis às vezes diziam-se reis de Leom, como os bascos se chamárom sempre reis de Pamplona, em troca de Navarra. Os reis de Leom som os dos concioneiros, que tinham a cultura galego-portuguesa como própria, e com certeza falavam galego, ou português, que é o mesmo. Nom astur-leonês. Portanto, houvo oito séculos em que a Galiza tivo um reino independente, embora polo meio, durante um século e meio estivesse integrada na monarquia goda, mantendo, como foi indicado anteriormente, a sua personalidade. A partir de 1230, o Reino da Galiza como entidade autónoma persistiu até a chegada dos Reis Católicos, que iniciárom a sua dominaçom. Os Reis Católicos nom eram reis de Espanha. Eram reis de um feixe de reinos peninsulares, entre eles o da Galiza. Se fores ao Museu Nacional Colégio de Sam Gregório, em Valhadolid, onde está a obra do escultor galego Gregório Fernandes, há um quadro, mal entras à direita, que di: «Na memória de Gregório Fernandes que nasceu em Sárria, no Reino da Galiza», quer dizer, bem entrado o século XVII a Galiza é definida como reino. Na história espanhola nega-se a sua existência para justificar que todo procede de Castela. A historiografia castelhanista apropria-se de vários séculos de história peninsular, nos quais Castela nom existia porque o que existia era o Reino da Galiza. Na documentaçom árabe, ao primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, primo do rei galego Afonso VII, chamam-no «pérfido galego, maldito de Deus», já que o condado de Portucale era um troço desse reino da Galiza e portanto os portugueses, os seus habitantes, eram galegos, e assim fôrom chamados durante muito tempo. Se fores a Cáceres, todos os paços eram de nobres galegos, a Universidade de Salamanca foi fundada polo rei galego Afonso VIII (IX para a historiografia espanhola), rei que foi soterrado na catedral compostelana, e o reitor foi durante toda a Idade Média o arcebispo de Santiago. Cumpre lembrar que a jurisdiçom do arcebispado compostelano abrangia Salamanca, Badajoz e mesmo Lisboa. O rei fundara a universidade galega na fronteira. DL – Qual foi a chave ou quais as chaves que explicam a progressiva queda da Galiza na órbita castelhana? Camilo Nogueira – Ainda que tenha acontecido um pouco de antes, o momento decisivo foi com os Reis Católicos. No conflito com estes monarcas pudo haver umha agrupaçom de reinos diferente da que finalmente foi. Pudo haver umha uniom entre Castela, Galiza e Portugal e formarem um reino predominantemente galego-português, no plano político e cultural. E deixar de lado Aragom com a Catalunha. Em troca, ficou de lado Portugal e a Galiza foi dominada e negada. Mas a partir de aí, a Galiza nom foi Espanha. Os reinos da Península, mesmo com Portugal no período 1580 – 1640, fôrom património das dinastias europeias, os Habsburgo e os Bourbon. Os Habsburgo, com Carlos V principalmente, eram donos de quase toda Europa, a maioria dos estados da actual Uniom Europeia era dos Habsburgo. Depois os reinos peninsulares fôrom entregues aos Bourbon de Luís XIV. A partir dos Reis Católicos, a poderosíssima Igreja de Santiago passou a maos estrangeiras, e começou a lenta imposiçom do castelhano contra o galego-português. Porém, o galego parmaneceu felizmente até hoje. No século XIX começa a construçom de Espanha como umha naçom única contra a naçom galega e contra as naçons catalá e basca. E é precisamente aí que nasce a reaçom do carácter nacional da Galiza. Essa ideia da Espanha como naçom única bate com a própria realidade. Nom só com a realidade interna da Península Ibérica, pois na constituiçom de Cádis, de 1812, se chamava Espanha a toda a América. Portanto, a afirmaçom de que Espanha se unificou a partir dos Reis Católicos nom corresponde em absoluto à realidade, porque entom era Espanha também América, e Nápoles, Sicília… A continuidade romano-goda-castelhana que pretende a historiografia espanhola é um despautério. Com a construçom dos estados contemporáneos, em lugar de construir um Estado democrático que atendesse à variedade nacional peninsular como a Confederaçom Helvética, construiu-se um Estado centralista negador dos povos peninsulares e especialmente da Galiza. Um Estado que nom só negava a Galiza contemporaneamente, como negava ainda a história do nosso povo e mesmo do próprio Portugal. Portugal é tomado como umha cousa esquisita, estranha, que nom entrava nos esquemas do imperialismo castelhano. Que cidades freqüentou a corte galega? Nom som especialista nisto, de todos os jeitos a corte galega nom estivo circunscrita a umha única cidade. Contodo, o que sim se pode afirmar é que para além de Leom, cidade onde habitualmente residiam os reis galegos, Compostela era a cidade mais importante do Reino galego. Que papel cumpria a cultura galega na Europa medieval? Toda a cultura da Península emanava de Compostela. O galego era a língua de cultura mais importante do ámbito peninsular. O galego hoje é tratado como umha língua minoritária, regional, mas na verdade é falado por 230 milhons de pessoas em todo o mundo. Ainda há pouco um casal português, da Póvoa de Varzim, que andavam por Compostela à procura de um hotel, perguntárom-me por onde tinham de ir. Enquanto lhes indicava o lugar, um deles falando ao telefone dizia «agora estamos em Espanha», eu logo lhe indiquei que isto nom era Espanha, que era a Galiza; eles sorrírom. Sabiam de que falava. A realidade é que estávamos a falar galego, porque em Portugal o que eles chamam português é o que nós chamamos galego. Mas, claro, como vam dizer que estám na Galiza se, ao entrarem na fronteira por Valença, nem vem o nome da Galiza por lado nengum. A importáncia do galego-português era mesmo maior à que tem hoje. Apesar do Brasil e Portugal. Na Catedral de Compostela estám soterrados os reis galegos Afonso VIII, fundador da Universidade de Salamanca, e Fernando II, quem encarregou a maravilha que é o Pórtico da Glória. A Galiza era o Reino cristao na Península, para onde caminhava umha Europa em conflito com o islamismo. A Galiza também é negada pola historiografia portuguesa? A Galiza é negada no nascimento de Portugal, mas em contra da sua própria história. Reivindicar em Portugal o Reino galaico-suevo é totalmente legítimo. Tinha a capital em Braga! Neste senso, partilham com o espanholismo umha visom que é negativa para eles. A ideologia espanhola nega Portugal. De facto, durante todos estes séculos de que estivemos a falar, fôrom múltiplas as ocasions em que a monarquia espanhola tentou dar cabo de Portugal. Sem ir mais longe, a entrada das tropas napoleónicas na Península Ibérica foi de acordo com Carlos IV para ocupar e desfazer Portugal. Queriam dividir Portugal em três partes diferentes, umha delas, sem dúvida, para os bourbons de Aranjuez. E isto foi aí mesmo, em 1807. E falando disto, o primeiro território libertado foi a Galiza. A Galiza libertada em exclusiva com a força do povo galego. A grande epopeia, mais umha vez, foi a vitória do povo galego e nom o 2 de Maio. Isso foi umha algazarra se o compararmos com a autêntica guerra que fijo este povo. O que há de realidade no mito espanhol de Dom Pelayo e da Batalha de Covadonga? Isto nom existe, nom tem nengumha importáncia. O quadrante noroeste da Península nunca foi tomado polos mussulmanos. Houvo gazivas como havia gazivas do território cristao a Córdova. Galiza, Leom, Astúrias, nunca fôrom ocupadas. Como vai existir Pelayo e Covadonga no senso que lhe dam? Nom houvo umha Reconquista de oito séculos iniciada em Covadonga. A mal chamada Reconquista durou 165 anos. Esta Reconquista, que na verdade foi a hegemonia dos reinos cristaos sobre os mussulmanos, foi feita polos galegos, nom polos castelhanos. Nom houvo nengumha guerra nem se expulsou ninguém. O que houvo fôrom conflitos bélicos que dérom cabo da hegemonia mussulmana. Fotos: Diário Liberdade. |